Robert Downey Jr como você nunca viu – Parte II
Essa é uma entrevista traduzida na íntegra de quando Robert Downey Jr foi capa da Revista Esquire em Abril de 2024.
Pergunto a Downey o que ele gosta de ler. “Bem, vamos ver,” ele diz, pegando outro Nicorette e uma pilha de livros de uma prateleira da cozinha. “Temos o do Rick Rubin,” ele diz. (O livro recente do produtor musical, The Creative Act). “Temos um pouco de ação de doze passos.” (Um livro sobre reabilitação.). “Ainda estou lendo o livro de Strauss, Men and Decisions.” (Este é um livro denso do ex-presidente da Comissão de Energia Atômica, Lewis Strauss, o homem que ele interpreta em Oppenheimer, foi publicado em 1962. A edição de Downey é antiga, em excelente estado e assinada por Strauss.)
“Esse é o que acabamos de fazer.” (Cool Food, de Downey e o escritor climático Thomas Kostigen, um manifesto sobre alimentos amigos do clima, com receitas.). “Oh, olha isso.” Ele pega O Livro dos Símbolos, um guia para os significados de símbolos visuais ao longo do tempo, e começa a folhear as páginas que ele marcou. “Ele mostra tudo… o Crescente. Chuva. O Pinheiro. Não sei por quê, mas adoro isso. Acho que você obtém tanta energia e dados.“
Ele pausa para respirar, então diz: “Na verdade, não te deixei fazer uma pergunta. Talvez devêssemos incluir algumas.” Eu quero saber como toda essa vida—pai e mãe e os anos setenta e oitenta e drogas e família e filhos e tudo—se manifesta nas performances que vemos na tela. Faço essa pergunta de forma confusa, e antes de terminar, ele começa:
“Enquanto você está falando, eu continuo pensando na típica cena de filme em que um detetive está espalhando todas essas coisas pelo chão e tentando entender”, ele diz. “A própria vida, eu acho que para qualquer um, é um pouco mimsteriosa—não para resolver, mas pelo menos para tentar entender. Eu não sou muito bom nisso, no sentido de que não sou ótimo também.”
De repente ele bate na mesa, e diz: “Espere. Me dê vinte segundos.”
Ele se levanta. Na geladeira, há um desenho animado sorridente de Susan, uma lembrança de um brinde que ele fez em sua festa de cinquenta anos. Enquanto ele atravessa a cozinha, Downey toca nela. Apenas bate com três dedos na imagem de sua esposa enquanto passa rapidamente por ela. Eu não assumo que ele saiba que eu vejo isso, um dos atos mais pequenos e ao mesmo tempo mais grandiosos de amor romântico que já testemunhei.
Ele retorna à cozinha após vinte segundos carregando papéis antigos em capas plásticas, que ele manuseia como se fossem antiguidades delicadas. O primeiro pacote é uma troca de notas manuscritas entre Robert Downey Sr. e o compositor Jack Nitzsche, a maioria das quais são letras incoerentes para músicas que planejavam gravar. Mais páginas: uma história que ele escreveu—Robert Downey, com nove anos—intitulada “TRX: Uma História de Amor”. Está em papel de construção amarelado, mantido junto com fita adesiva, cada página cheia de sua caligrafia cuidadosa e desenhos precisos. A história é algo sobre um menino que rouba um par de tênis, mas depois, atormentado pela culpa, decide devolvê-los. Downey lê o que escreveu há cinco décadas: ” ‘E quanto ao mano e a mana, os presentes que vão perder? Eu não posso fazer isso. Eu digo que eles não servem, coloco meu casaco e vou embora.’ É como se meu pai me tivesse fazendo escrever poesia sobre furto.”
Esses objetos apareceram coincidentemente em sua correspondência ao longo das últimas semanas, enviados por velhos amigos e família, o que o deixou perplexo e encantado. “Eu presumo que tudo está perdido para a história,” ele diz. “Qualquer coisa que tenha sido escrita em papel, qualquer coisa que não esteja em um arquivo de dados ou em um pen drive, se foi. Qualquer coisa que estava armazenada foi vendida, porque todos nós desordeiros não conseguimos pagar pelas unidades de armazenamento. E ainda assim o mundo está te dizendo que existem esses artefatos por aí. Faça deles o que quiser, mas estamos devolvendo parte dos seus dados.”
Enquanto folheamos as páginas, a vida doméstica acontece ao seu redor. Avri atravessa o chão da cozinha usando uma máscara de gato, pulando no colo de Downey. (“Avridowney!” ele a chama.) Susan, brilhando depois de um treino, vem e vai depois de falar sobre a logística da tarde. (Ele a cumprimenta com “Oi, Downey!” e me diz, “Aqui está a chefe suada.“) Downey bate na mesa da cozinha quando todos se vão. “Este é meu escritório”, ele diz. “Eu adoro que existam todas essas distrações, você pode ver o oceano, eu posso ver o que o Monty está fazendo. E aí, garoto? Lá está ele!”
O gato apenas encara. “O que diabos está passando pela mente dele agora,” Downey diz.
Lá fora: o ar quente do Pacífico, um balanço de árvore oscilando, porcos preguiçosos ao longe. Ele tem falado há um tempo sobre Sr., o documentário, e eu pergunto a ele sobre algo que me chamou a atenção. Em uma cena, Downey conversa com seu pai sobre a dependência de Sr à cocaína e à maconha.
Eu pergunto a Downey se tal discussão já aconteceu, antes ou depois disso, e por que não está no filme.
“Oh, sim,” ele diz. “Primeiro, sabendo que ele estava doente e não tinha muito tempo de vida, não há nada mais hilário do que um filho adulto de um alcoólatra exigindo que seu momento de retribuição seja capturado e documentado. E então, de repente, esse filme não trata mais de nada relacionado à realidade. Agora é algum tipo de vingança subconsciente. E a outra coisa é que, entre ele e eu e o psicólogo e as semanas de terapia familiar e outras pessoas nas quais interviemos nos muitos anos desde que ambos estávamos limpos, você simplesmente percebe que não estamos mais em nossa crise, ou nossa projeção. Estamos mais do lado vencedor, tentando oferecer assistência aos outros. Mas sim, consigo pensar em meia dúzia de vezes em que isso ficou feio.”
Seu pai se sentiu culpado?
“Oh, tenho certeza. Sim. Mas também sei que ele não era um grande defensor da culpa como algo útil e que grande parte da culpa é uma culpa não natural. É uma culpa projetada pela sociedade, socio-pseudo-religiosa. E com Laura”—segunda esposa de Sr, a quem ela cuidou até sua morte por ALS—“ele não tinha tempo para pensar em processar. Ele não era um grande processador de seu próprio passado, vou te dizer isso—não acho que ele já teve uma única sessão com um terapeuta. Mas teve muitos exemplos de emendas vivas, muitos exemplos de dívidas cármicas, se isso for real, sendo aliviadas. Acho que quando ele partiu desta terra, sua alma estava leve como uma pena. Que coisa melhor? Foi uma saída elegante pra caramba, vou te dizer isso. Não sei sua experiência ou a de qualquer outra pessoa, mas acho que há um medo para qualquer filho de que seu pai morra como um covarde.”
Downey me encara por um momento, depois começa a rir, alto, olhos arregalados, como se tivesse acabado de se surpreender. “Vamos lá, cara!”
Continua
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