Nesta semana em que o Homem de Ferro  celebra seu aniversário de 50 anos, publicamos a nossa primeira entrevista com Robert Downey Jr. sobre o terceiro filme da série. Cinco anos depois de Homem de Ferro o ator já fica mais à vontade para falar de seus caprichos no set e também do que o incomoda no contrato que assinou originalmente com o Marvel Studios. Acima de tudo, o verborrágico Tony Stark parece empolgado de verdade com a continuação.
Você teve algum receio de voltar ao personagem já pela quarta vez?
Rober Downey Jr.: Eu meio que estava ansioso para voltar. Na verdade, não estava só “meio”. Sabe quando você faz grandes planos de viagem, quando cria uma lista de coisas que nunca teve a chance de fazer? Eu encarei Homem de Ferro 3 assim. É o filme que supostamente daria todas as respostas ao público, que curaria todos os momentos desconfortáveis do passado, e usaria todas as ideas que ficaram de canto nos três filmes anteriores [contando Os Vingadores]. Daí nós filmamos este novo longa e agora eu sinto que ainda há várias outras coisas que precisamos fazer.
Então teremos Homem de Ferro 4?
Eu não sei.
Como foi trabalhar com Shane Black de novo, depois de Beijos e Tiros, e quanto você precisou forçar para que a Marvel o contratasse?
Nós nos conhecemos bem a essa altura. Sem me procurar, a Marvel me disse que Shane estaria entre os candidatos a dirigir este filme. Disseram que reduziram a lista a apenas dois nomes. Eu gostei das duas opções. Mas Shane tem um lugar no meu coração – digo isso agora que já terminamos de filmar e estamos montando cenas juntos. Ele acabou sendo uma ótima escolha.
Você já disse em entrevistas que os filmes anteriores de Homem de Ferro envolviam muita revisão de roteiro à medida em que as filmagens aconteciam. Desta vez foi diferente?
É uma faca de dois gumes. Quando começamos [a franquia] e fomos seguindo até chegar em Os Vingadores, tínhamos que lidar com muitas coisas de estrutura, como “o que vamos fazer e dizer exatamente?”, “o que vamos fazer no terceiro ato?”, “como vamos encerrar isto?”. Quando Shane chegou pra trabalhar com Drew Pearce [roteirista do terceiro filme], todo o arco de reviravoltas, ações e temas já estava definido, e permaneceu sem alterações, o que é incrível. Eles criaram meio que uma tela em branco do tamanho certo, que comporta algumas mexidas aqui e ali. Shane escreve dessa maneira; nada é arbitrário, tudo tem um significado mais adiante na trama ou se relaciona com algum tema. Essas são as coisas mais difíceis de tentar escrever quando já se está no meio da filmagem. Dito isso, eu respeito ele o suficiente pra poder desrespeitar diariamente o que ele escreve. No começo do dia eu olho as cenas que teremos, vejo que há diálogos escritos na ordem do dia – senão não seria a ordem do dia – e encaro aquilo só como tinta impressa num papel. Deve ser irritante para um roteirista excelente, mas é o jeito que eu sei fazer. Pego um roteiro bom e digo “Isso aqui ficou bom! Digo, não é o que vamos filmar, mas ficou bom…”.
Tony Stark enfrentou bastante coisa em Os Vingadores. Os acontecimentos daquele filme alteraram quem ele é agora?
Bem, tínhamos que mudar alguma coisa, sabe? Por que ele estaria em Nova York justamente naquele momento [se a oficina de Tony fica em Malibu]? Sabemos a resposta: a Torre Stark. Mas o que ele estava fazendo lá, no fundo, era construir uma arquitetura para um terceiro ato [dentro da franquia do herói]. Eu queria vê-lo de volta em casa [na Califórnia] e pensei: “E se aquilo acontecesse conosco? Você não desligaria da realidade? Você começaria a vigiar tudo”. Daí eu pensei sobre a realidade no século 21, esse zeitgeist bizarro da América e do terrorismo, todas as coisas que este país parece gerar e co-criar. Isso deixa todos loucos. Sempre tínhamos essa ideia de mostrar Tony com Rhodey a três quilômetros da casa dele, no [restaurante de frutos do mar] Neptune’s Net que fica na rodovia da costa californiana. Os dois no restaurante e as armaduras estacionadas do lado de fora, como motocicletas. Nem sei se conseguiríamos o Neptune’s Net, tem o licenciamento… Mas eu queria esse tipo de sensibilidade, e Shane também. Nós dois queríamos ver os caras só sentados no sofá, tomando um martini – peraí, martini não pode. Daí a Pepper chega em casa e tal… Shane tinha imagens icônicas na cabeça dele e eu tinha as minhas. O estúdio e Kevin [Feige, presidente do Marvel Studios] tinham as deles. O resultado é um filme realmente surpreendente e divertido, legal e profundo.
Em uma cena, Mandarim faz sua transmissão global, e ela envolve muita decoração de set, muita atmosfera. A noção de um terrorista midiático é tão interessante quanto a noção de Stark representar a América. Como foi atuar contra o Mandarim de Ben Kingsley?
Por alguma razão, pensei em Oliver Stone e pensei na época em que fiz Assassinos por Natureza. Acho que, apesar da posição veemente [de Stone] ao demonizar a mídia – e vou voltar atrás e dizer que não estou certo de que o maior dos oponentes precisa ser derrubado – acredito que isso é bem evocativo, essa ideia paranoica de que os terroristas são fabricados etc. As pessoas gostam disso. É por isso que eu gosto de Sob o Domínio do Mal. Gosto dessa possibilidade de algo assim [uma ameaça plantada] passar despercebida até a hora em ela te ataca. Acho que é assustador e ocupa, acredito, uma parte da psique paranoica da América.
Fica a impressão de que o orgulho de Stark atrapalha, provocando Mandarin a atacá-lo pessoalmente.
Eu sei. Isso é uma questão, também, do tipo “o que você vai fazer a respeito?” Se você passou por um certo trauma, você reage um pouco acima do tom, certo?
A provocação de Stark é relacionada ao fato de ter combatido aliens e e não ter mais medo de seres humanos?
A razão no fundo é que acontece algo com ele [Stark] e a coisa se torna pessoal. De outra forma, ele provavelmente não teria falado mais do que deveria.
Homem de Ferro 2 serviu para estabelecer o que veríamos em Os Vingadores. ComoHomem de Ferro 3 é o início da “Fase 2” da Marvel, existe uma preocupação de antecipar coisas ou a história desta vez é mais isolada?
Este é mais livre e independente do que os outros três em que atuei. Felizmente, Shane, o pessoal de criação e eu desenvolvemos uma história que “fez por merecer”, entre aspas. Pensamos: “Não vamos ligar o piloto automático, vamos retomar Tony e Pepper”. E também foi ótimo ter Happy [Hogan, o personagem do ex-diretor Jon Favreau] de volta. Jon foi ótimo. Nós ficamos lá trabalhando na oficina e ele no meio do set: “Tudo o que eu preciso fazer desta vez é vestir um terno e soltar piadas, vai ser ótimo!”. Ele na verdade é parte integrante da trama e tal… Mas é verdade, a jornada de Tony aqui é de A a Z, atrás do vilão. É um antagonista que leva Tony a situações que ele não conhecia antes, e foi isso que atraiu Shane. Ele disse: “Eu gostaria de vê-lo [Mandarim] entrando em plena América. Quero vê-lo interagindo com uma criança na rua, relacionando-se com ela como ela se relaciona com o Homem de Ferro”.
Você obviamente tem uma forte visão de quem é Tony Stark e onde gostaria de vê-lo a partir daqui. Isso se estende ao resto do Universo Marvel no cinema? Você tem contato com os projetos em que não atua?
Acho que sim. Eu moro com uma produtora [Susan Downey]. Antes de Homem de Ferro, ela trabalhava com [o produtor] Joel Silver, e isso foi meio um aperitivo. Eu xeretava em projetos e tal. Eu não resisto, acabo dando um monte de pitaco. E sempre ficarei surpreso com a quantidade de vezes que eles NÃO pedem minha opinião.
Em certo ponto desta produção, Joss Whedon passou a servir como um supervisor do Universo Marvel nas telas. O que ele trouxe para Homem de Ferro 3?
Acho, honestamente, que ele trouxe uma noção de momento. Quando você tem um sucesso sem precedentes [como Os Vingadores], você pode relaxar por um segundo, mas você também terá que lidar com o que vem depois. Então ele trouxe conforto e trouxe também um pouco de ansiedade em relação a bilheteria…
A sua imagem está bastante vinculada com a de Tony Stark, mas isso não significa que eles nunca botarão um ator no seu lugar.
Tenho certeza de que eles já pensaram nisso. A sensação que eu tenho é que me venderam para a Disney por US$ 4 bilhões [valor que a Disney pagou pela Marvel].
O fato de você ser tão relacionado com o personagem faz você querer ficar mais tempo?
Sim, mas sempre me senti assim, com o jeito tranquilo como temos levado. O lance de viver esses narcisistas incorrigíveis é que você pode matar um dos egos de Tony e outro surge logo em seguida. Eu vivi isso, e descobri que essa jornada toda me acalma. Tem sido um exercício de humildade. Você percebe que faz parte de um todo. Acho que os problemas começam quando uma pessoa envolvida em algo – particularmente algo bem-sucedido – decide que se tornou dono daquilo. Homem de Ferro é algo que Stan Lee criou há 50 anos. Ele tocou em questões bem interessantes e, estranhamente, Homem de Ferro sempre foi um super-herói de segundo escalão. Estou num momento em que, particularmente desde que me casei com essa garota judia trabalhadora do Meio-Oeste, eu me vejo como um membro de equipe. Gosto de estar presente para promover o filme. Gosto de comunicar, de vivenciar isso. O engraçado é que, embora eu possa ser rápido e engraçadinho, eu tendo a vivenciar as coisas lentamente. Esses cinco ou seis anos não têm sido tempo suficiente para eu processar tudo o que aconteceu.
Você já está chegando no fim do contrato que havia assinado, de múltiplos filmes. A ideia agora é renovar para vários ou seguir um filme de cada vez?
Não sei. Eu honestamente fico desconfortável com os números, me incomodou durante um tempo o fato de ter um contrato [com a Marvel] que dizia que eu ganharia sempre a mesma coisa, independente do sucesso do filme. Daí eu penso: “Eu não estava fazendo nada antes de Homem de Ferro surgir”. Depois penso que hoje sou um grande astro… Posso ficar nisso por duas horas. Mas sou muito sincero quando digo: “Ok, vamos negociar direito”. Não vou fingir que não me importo. Obviamente, é melhor ter a garantia de um contrato longo do que fechar um por um indefinidamente, mas é por isso que os contratos têm um fim. Digamos apenas que eu, meus agentes e os advogados [da Marvel] estão bem ocupados no momento.
Contracenar com outros atores ainda é a mesma coisa quando você se envolve num projeto da escala de Os Vingadores?
Sim, é exatamente a mesma coisa. As pessoas me sugerem projetos novos – e o próximo filme que eu vou fazer é a coisa menos próxima de cinema de gênero que você possa imaginar – mas acho que todo mundo subestima o fato de filmes serem sempre iguais. Discutimos a história, discutimos temas. É sempre a mesma coisa, só o tapete vermelho muda.
Já que Os Vingadores é hoje um dos filmes mais bem-sucedidos de todos os tempo, como dá para ir além, em termos de ação, em Homem de Ferro 3?
Tem gente que estranhamente é mais esperta do que eu tomando essas decisões, me disseram. O engraçado é que Homem de Ferro 3 é uma narrativa mais íntima, e ao mesmo tempo eu estou presente em cada segundo de cada cena de ação neste filme. Nunca fiz tantas cenas de ação na minha vida.
A franquia Homem de Ferro é fundamentada na realidade, mas ao longo dos filmes esse mundo foi mudando um pouco. Como é interpretar Tony diante desse painel agora?
O que ajuda é que é tudo bem dividido ainda, nem parece. Se existe uma pessoa que conhece o mundo de uma forma, e no dia seguinte o mundo está de outro jeito, essa pessoa é Tony. Ele vive numa concha, de qualquer forma. Tudo o que importa para ele é Pepper e seus brinquedos. Ele ficou amigo de Bruce [Banner], mais do que dos outros [Vingadores], mas é como se ele tivesse saído para fazer esse grande filme de ação e depois retornado para sua realidade.
Como é trabalhar com Jon Favreau e Shane Black, em comparação?
Eles são similares. E não dá pra trabalhar com um sem contar com o outro. Jon e eu procuramos Shane em diversas ocasiões e Shane definitivamente procuraria por Jon para checar outras coisas. Jon tem um incrível senso de performance, e Shane é mais introvertido. Mas quando exige presença, dá gosto de ver. Por exemplo, estávamos filmando à noite, e tivemos que correr no meio de umas coisas. Shane bateu a cabeça em algo e deslocou o ombro. Sentou no chão, nós dizíamos “bom, cadê a ambulância”, e ele: “Só mais duas tomadas!”. E eu repetia: “Você precisa ir para o hospital!”. Jon é bem suave, e Shane é mais parecido comigo, mais temperamental às vezes. O que me deixa feliz é que, mesmo com as mudanças, Shane entrou e pegou essa oportunidade fantástica. É um conforto que ninguém tenha sofrido [com as mudanças], incluindo a franquia e os filmes em si. Jon e eu temos escritórios no mesmo lugar, atravessando a rua. Shane e eu ainda conversamos. São relacões boas, sabe? De novo, acho que isso prova como Kevin e o pessoal da Marvel age, eles pesam bastante as suas escolhas.
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